segunda-feira, 27 de maio de 2013

Budismo


BUDISMO COMO UMA NOVA FORMA DE ATUAÇÃO 
PARA UMA ÉTICA MUNDIAL E BRASILEIRA 

Flávio Marcondes Velloso

"Perguntarmo-nos para que serve a Iluminação 
 ajuda-nos a questionar o que estamos a fazer  e o porquê de o fazermos. Não podemos concordar  com os que dizem que, no Budismo, o  importante é esvaziar a mente e não pensar. É isso que torna possíveis  as ditaduras e toda forma de exploração  e desequilíbrio do Universo. 
Pensar é importante."  
(David Brazier, in Dharma Life Magazine)

 Difícil compreender o Budismo como fenômeno social, para além de filosofia e religião, no sentido profundo de nos religarmos a nós mesmos e ao fundamento último de toda natureza, em busca de um saber superior, de que expressa Ricardo Sasaki em sua obra "O Caminho Contemplativo", para uma compreensão mais universal das responsabilidades do caminho búdico? Difícil aceitar o alargamento dos limites da prática budista em sua relevância inseparável do comprometimento social? Difícil ativar as demandas respeitantes ao status quo da Terra em uma visão mais revolucionária do Budismo? Os budistas atuais não terão a capacidade de regenerar as suas tradições espirituais, em suas próprias escolas, em suas próprias sangas, em prática do lado exterior dos muros que criamos em nós mesmos?

 Sua Santidade o Dalai Lama fala em uma "conduta ética positiva", no sentido de que uma revolução se faz necessária. Não uma revolução qualquer, mas espiritual. Não espiritual como solução religiosa ou filosófica, mas pela responsabilidade que temos, que é de todos nós, em face da vida na Terra e, mais do que o reduto da vida na Terra, em face ao próprio Universo a que estamos todos inseridos.

 Nós somos o reflexo do mundo. Como está o mundo? O que nós próprios temos projetado nele enquanto seres ligados entre si e dependentes desse mesmo todo não dissociável? Ensina Sasaki que "isto tem a ver com responsabilidade universal por todas as coisas. O que se reflete pelos dez cantos do Universo. O pecado, ignorância, de um, mancha o resto, como uma lâmpada que, quando acesa, ilumina todo o quarto escuro". 

 No aqui e agora que é o que importa, o que fazemos? O passado servindo para o lixo no coração, o futuro, para o lixo na mente, o presente, para a cura e libertação de ambos. Não perdendo de vista que o passado e o futuro são o presente, aferindo daí o tamanho da responsabilidade de cada um consigo mesmo, com todos e com o todo, no âmbito de uma ética socialmente comprometida, em atitude que pode mesmo mudar o mundo. Aliás, mudar para melhor não há outra atitude, senão mudando a nós mesmos, conscientes de que não se alcança sabedoria, não se alcança iluminação, no contexto a que fomos lançados, em nossas presentes manifestações de vida, se descurarmos da compaixão. 

 Podemos dizer que, nesses tempos chamados modernos, fora da compaixão não há iluminação. Do contrário não estaríamos aqui. A compaixão no exercício prático da ética para com tudo e para com todos, nos preceitos basilares de um budismo lúcido, mais do que contemplativo, levando a alcunha de budismo engajado, i.é., com responsabilidades sociais. Ao extremo, não havendo responsabilidades sociais, não havendo engajamentos, não havendo amor universal, não se pode pensar em budismo atual, que vai especialmente de encontro às intenções originais do Buda histórico, em paradigmas frente às demandas, enormes e graves, do mundo contemporâneo. Pensamento, fala e ação adequados em benefício de quê? Em benefício de quem? A resposta singular não estaria consentânea aos desafios presentes. Clama por ser plural. 

 Lembra Monja Isshin, em "A vida compassiva", sua recente publicação, que mesmo a compaixão ainda não é tudo, embora um dos quatro estados sublimes, deve estar aliada à prática do "amor bondade, da alegria altruísta e da equanimidade", em sincera interatividade e sinergia.

 O Budismo pode ser um processo de cura para as doenças do mundo, uma vez posto em exercício diário na relação e condução de nós próprios, harmoniosamente com o externo. Nós somos o que fazemos e o que fazemos tem resultados. Portanto, uma nova forma de atuação para uma ética mundial e brasileira começa necessariamente dentro de nós, mas não para em nós, não pode parar. O Budismo é compatível com a ciência, que não tem fronteiras, o Budismo é movimento, não obstante paradoxalmente contemplativo. 

 No Budismo não temos o direito de transferir nossas responsabilidades a seres divinos ou forças metafísicas. O sagrado é a luz búdica que está do lado de dentro de cada ser pronta a conectar-se no universo do amor, o amálgama que possibilita, em continuidade infinita, a impermanência do que não se cria nem se perde, na certeza de Lavoisier de que tudo se transforma. O Budismo pode transformar o mundo, a partir do instante que transformarmos a nós e não nos permitirmos mais a passividade, a complacência, a omissão, simplesmente. 

 O mundo demanda lideranças conscientes, anônimas e declaradas, em todas as searas das atividades humanas. O treinamento pessoal e a intervenção global, comunitária, devem ser concomitantes, complementares. Sabedoria guardada não é sabedoria. O grande, o maior mosteiro budista é a humanidade inteira. 

 É lá onde estão os desafios, que permitirão a nossa superação. É lá onde atingiremos a nossa cura e a nossa liberação. Por isso o mundo existe, exatamente para a nossa cura e para a nossa liberação, como partículas que vão ao todo. Mas sem ir à humanidade inteira, sem ir a todos os seres, sem ir a todas as espécies, sem ir a todos os reinos, sem ir a todos os mundos, sem ir a todos os universos, não há cura, não há liberação. Nós somos amor universal, nós somos física quântica, e sem uma ética minimamente consciente, passamos a não ser nada. Menos do que nada, pois estaremos comprometendo o todo com uma postura negativa, agravante e sempre refletora do que está aí no mundo. O mundo externo refletindo o mundo interno. Não há como ser diferente.

 Onde estão as ideologias mundanas? Para que serviram ou servem as revoluções igualmente mundanas? Qual o sistema atual para a salvação do planeta e de seus diversificados habitantes? O Budismo deve servir para alavancar a transformação, tanto aos pobres e oprimidos quanto possibilitar a cura aos poderosos e opressores, por sua reforma interior. O Budismo deve se fortalecer como instrumento de transmutação no concerto das nações e, por conseguinte, na jovem democracia brasileira. Temos assistido, nesse país abundante de tudo, como no resto do mundo, ao crescimento de representatividades outras, que acabarão por imprimir uma nova cara para a nossa sociedade e para a comunidade internacional. Onde estão os budistas?

 Não sabemos mesurar a força de edificação de virtudes do Budismo. Não percebemos a mudança consciente, discernida, pacífica, amadurecida, profunda, respeitosa, solidária, fraterna, compassiva, competente, capaz, que ele pode oferecer ao mundo. Ainda somos tímidos nesse tocante. Todavia, onde não estamos, todos os demais estarão, obviamente sem a plenitude que o Budismo propicia. O Budismo tem servido para o bem-estar de quem?

 Enquadrar o Budismo não é bom, exceto para o sistema. Sidarta Gautama foi um revolucionário, na acepção mais pura do termo. Ele não ficou sentado somente, e muito menos, encastelado. Também caminhou, também foi de encontro à prática de uma nova liderança social, mostrando que o Budismo é um meio, uma nova forma de atuação para uma ética mundial e, no contexto do artigo, brasileira. Todos os tipos de corrupção, no Brasil e no mundo, serão combatidos eficazmente, no prisma budista, se combatidos em nós, em um primeiro instante e, logo em seguida, oferecido, ao nosso país e à comunidade mundial, o resultado de nossa mudança. Quaisquer que sejam as instâncias de nossa atuação, o Budismo será sempre um fator de transformação positiva. 

 O mundo e o Brasil carecem de mais Budismo e, por conseguinte, de mais budistas socialmente comprometidos. Na mão de quem têm estado a humanidade e a Terra? Quando descruzaremos literal e efetivamente as pernas? Estamos felizes com a sociedade mundial e brasileira? Elas só existem para ser transformadas. Vamos dizer que o Budismo não deve se ocupar delas?

 Continuaremos a colher os frutos de nossa quase inação global e brasileira, embora conscientes. Sofrendo conscientes, porque quase nada nos dispomos a realizar, em proporção matemática daquilo que deixamos de edificar, quando deveríamos e, se deveríamos, tínhamos que concretizar. Salvo honrosas e emblemáticas individualidades e ou sangas. 

 Na verdade, no amor compassivo, na paciência sábia, na tolerância fraterna, na capacidade de perdoar e de assumir responsabilidades, no contentamento harmonioso, pacífico, justo, solidário, no desenvolvimento de projetos externos e no nosso próprio, asseguraremos uma nova forma de atuação para uma ética mundial e brasileira. O que fazer com a aliança dos países ricos, ricos pela exploração do resto do mundo e do planeta? O que fazer com as nossas classes dominantes brasileiras, dominantes, grosso modo, pela não solidariedade aos demais? Como será o Budismo? O que nos ensinará por nossa responsabilidade universal? Sua Santidade adverte a necessidade de uma ética igualmente de contenção, de virtude, de compaixão e socialmente sem limites, sem fronteiras. Onde estamos e onde não estamos, geográfica e ou politicamente.

 Certos de que o tão comentado "fim do mundo" não será mais do que o começo de um novo tempo, cuja senha de chegada e de partida não é outra que o amor universal na prática quotidiana, em todas as suas nuances e implicações construtivas, como nos tem sido facultado desde sempre, assim como era no princípio.

 Terminamos com Aung San Suu Kyi, ao professar com a força da luz que carrega, que "o paraíso na Terra é um conceito que está fora de moda e poucas pessoas acreditam nele ainda. Mas podemos, sem dúvida, tentar tornar o nosso planeta um lar melhor e mais feliz para todos nós, construindo as residências divinas do amor e da compaixão, nos nossos corações. Começando por esta expansão interior podemos prosseguir para a expansão do mundo exterior com coragem e sabedoria". Mais uma líder da não violência e da construção do Darma na sociedade dos homens, forte paradigma do que estamos a tratar. Ainda tardará muito o encontro do ser humano animal com o ser humano divino que habita cada um de nós?

 O tempo é inexorável. Mãos em prece são aquelas que trabalham unidas. Unidas na atuação também social, para uma ética transformadora, nova, regenerada, no Brasil e no mundo. O que faltaria para a criação de um Partido Budista Brasileiro, sinalizando didaticamente ao mundo, ou para ingressarmos no Partido Verde, de forma coesa, por exemplo? 

 Do lado de fora é que não conseguiremos mudar o que hoje nos causa mal estar no cenário brasileiro e mundial. É imperioso intensificar, em qualidade, a realização social de tudo aquilo que entendemos adequado e não mais permitir, por contemplação, complacência ou omissão, que se realize aquilo que o Budismo claramente aponta como inadequado, tanto na comunidade internacional quanto em nosso próprio país, carecedores de mais práticas valorosas que somos, lá e cá, embora tais e tais iniciativas em curso, tão louváveis quanto isoladas, limitadas em si mesmas. Olhemos para dentro e não só. No horizonte, o venerável Thich Nhat Hanh.

Flávio Marcondes Velloso, escritor, professor, membro da União Brasileira de Escritores, do Instituto Pimenta Bueno da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, da Associação de Direito e Economia Europeia da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, fundador do Partido Budista Brasileiro, uma referência moral, virtual, autor de "Direito de Ingerência por Razões Humanitárias em Regiões de Conflito", "Tribunal Internacional de Justiça. Caminho para uma Nova Comunidade", dentre outros. Blog http://fmarcondesvelloso.blogspot.com . Endereço eletrônico flaviomarcondesvelloso@gmail.com . In Triptaka, Revista Oficial do "Colegiado Buddhista Brasileiro", 2011, então membro do mesmo.