sábado, 26 de setembro de 2009

domingo, 30 de agosto de 2009

Budismo e Psicoterapia

BUDISMO E PSICOTERAPIA 
SUPERANDO COMPLEXOS

Thich Nhat Hanh 

Os ensinamentos do Buda, especialmente a prática da "plena consciência", começaram a ser mais difundidos na nossa sociedade, principalmente no campo da psicologia, da psicoterapia, na educação, na ciência e no trabalho social.

Muitos de nós querem reunir a prática da meditação e a psicoterapia, porque todos nós queremos curar a nós mesmos e curar o mundo. Queremos tirar o melhor do insight ocidental sobre psicologia, psicoterapia e também do budismo, porque há no budismo insights muito profundos sobre nossa mente, como transformar nossa mente, como sofrer menos, como encerrar o sofrimento.

Mas nós temos algumas dificuldades em tentar reunir as duas coisas, por causa da nossa maneira habitual de pensar. Por exemplo, no budismo aprendemos que não há um eu, e todas as práticas budistas devem ser baseadas na prática do não eu. Na psicoterapia, porém, o eu é muito importante: você precisa ter um eu saudável, você precisa fortalecer o eu antes de ser uma pessoa saudável... Então como fazer, o que fazer?

Há aqueles que propuseram que não se deveria fazer meditação antes de ter feito alguma psicoterapia. Primeiro alguma terapia e depois meditação, ou então seria muito perigoso, porque se o seu eu não fosse forte o suficiente e você se dedicasse à meditação, sua situação poderia piorar. Portanto, a conclusão seria de que você primeiro fizesse algum tipo de terapia e só depois a meditação budista.

E como na psicoterapia o eu é considerado algo de que temos de cuidar, quando você tem baixa autoestima você possui diversos tipos de problemas, e por isso você tem que se livrar da sua baixa autoestima. A impressão é a de que você tem de se consolidar, você tem de fortalecer o eu para superar o sofrimento e a doença. Muitos psicoterapeutas estiveram pensando como ajudar seus pacientes a livrar-se da baixa autoestima. A baixa autoestima parece ser a fundação de muitas desordens mentais.

Mas quando olhamos do ponto de vista budista, vemos que não somente a baixa autoestima está na fundação do sofrimento, mas que a alta autoestima também está. Há muita gente que pensa grande sobre si mesma. Eles têm o complexo de superioridade, e muita arrogância, e por conta disso criaram muito sofrimento para si e para as outras pessoas. A expressão "alta autoestima" não parece ter uma conotação negativa assim como a "baixa autoestima". Mas se olharmos em profundidade veremos que o complexo de superioridade é tão perigoso quanto o complexo de inferioridade.

Então, sob a luz do ensinamento budista não apenas a baixa autoestima não é boa, mas a alta autoestima não é boa também.

E não somente não são boas a baixa autoestima ou a alta autoestima, mas também o complexo de igualdade não é bom. Você pode pensar que não deve sentir-se acima das outras pessoas nem abaixo delas, então pensa que sentir-se igual às outras pessoas é o correto, é o bom. Mas no budismo temos um outro complexo, o complexo de igualdade. Sou tão bom quanto ele, sou tão bom quanto ela – isso também é um complexo. Porque o complexo vem do fato de que você compara, um eu com outro eu. E quando você se compara, vê-se superior, inferior ou então igual. Mas no ensinamento do Buda não há um eu, e se você não tem um eu, não tem o que comparar. E se não comparar, não há complexo, nenhum.

Então, como reconciliar o ensinamento sobre não eu com o ensinamento sobre a consolidação do eu? Remover a baixa autoestima é uma grande questão na psicoterapia. Portanto, há alguns dentre nós que dizem que primeiro devemos fazer alguma terapia para só depois tentarmos a meditação. Primeiro fortalecer-nos, para depois abdicarmos. Primeiro eu, depois não eu. Assim, a prioridade é a psicoterapia, e depois a meditação. Existe muita confusão nesse pensamento, porque você nunca se aprofunda o suficiente em nenhuma das duas disciplinas, em termos de prática. Fica-se mais no nível da especulação e dos conceitos. Mesmo nos círculos budistas há quem fique no nível dos conceitos e da especulação.

Num instituto budista nós aprendemos muito sobre budismo, teoricamente, e não temos prática suficiente, que nos ajude a ter insight, que é o que vai nos transformar e remover o sofrimento.

Quando você vem a Plum Village, você percebe que aqui não é um instituto de estudos budistas no sentido comum. Sim, aqui aprende-se budismo; todos os dias nós aprendemos. Mas nós nos dedicamos a por em prática tudo aquilo que aprendemos. Não nos contentamos em falar sobre a filosofia profunda, o profundo ensinamento do Buda. Não ficamos discutindo sobre nirvana, a dimensão absoluta, mahaprajnaparamita ou as Quatro Nobres Verdades simplesmente para satisfazer nossa curiosidade. Budismo, não como conhecimento, mas como prática.

Então quando você fala sobre as Quatro Nobres Verdades, o Caminho Óctuplo, impermanência, não eu, temos de encontrar maneiras de experienciar estas coisas, diretamente, no nosso cotidiano. E Plum Village é uma tradição que enfatiza bastante este aspecto. Estudos budistas deveriam ser bem palpáveis, e nós devemos ser capazes de aplicá-los em nosso dia-a-dia.

Por exemplo, quando você está praticando o "inspirando", no início você acredita que é você quem quer inspirar. Sou eu quem está inspirando, não uma outra pessoa. "Inspirando, eu sei que estou inspirando", assim é a frase quando traduzida para o Inglês - Breathing in, I know I am breathing in. Mas em outros idiomas, assim como em vietnamita, não há a necessidade de se usar o eu, ou o você. Inspirando, sei que estou inspirando. Inspirando, sabendo que estou inspirando. É possível dizer assim.

Dessa forma, podemos achar que há um eu inspirando e expirando. Mas se praticarmos realmente, iremos descobrir que ninguém está inspirando ou expirando. Há somente a inspiração acontecendo. E a expiração acontecendo. Claro que há a intenção de inspirar, a intenção de expirar, o prazer de inspirar, o prazer de expirar. O fato é que a respiração está lá, existe. Mas você não precisa de um "ser respirador" para respirar. Isso pode ser difícil de aceitar, no começo, porque você ainda está no nível da conceitualização. Porém, com um pouco de prática você irá enxergar e tocar a verdade. Não há um "respirador", há somente a respiração acontecendo. Não há um pensador, há apenas os pensamentos se sucedendo.

Nós não estamos familiarizados com isso, porque achamos que precisa existir um pensador para tornar possível o pensar. "Penso, logo existo", logo sou. Se o eu não existir, o pensar não poderá existir, então o fato de o pensamento existir é uma prova de que há um eu, um pensador.

Há uma diferença de pensamento, de percepção das coisas, dentro dessa tradição. E todos nós fomos influenciados pelo modo cartesiano de pensar. Mas precisamos reconsiderar isso.

Você está convidado a inspirar e a olhar em profundidade e ver que, enquanto está inspirando, todos os seus ancestrais estão inspirando junto com você. E este é o início da verdadeira experiência do não eu.

Em Plum Village temos o exercício que diz "inspirando, convido o meu pai a desfrutar da inspiração comigo". Eu sei que meu pai existe em cada célula do meu corpo, de alguma forma, e eu sou uma continuação do meu pai. Ele transmitiu seus genes a mim, e está presente de fato em todas as células do meu corpo. É por isso que, inspirando, posso reconhecer meu pai no meu próprio corpo, em cada célula do meu corpo. Isso é algo possível e também fácil de fazer. Então "inspirando, convido o meu pai a desfrutar da inspiração comigo" torna-se possível e não requer muita imaginação, porque isso é uma realidade, você é a continuação do seu pai. Você não pode tirar o seu pai de você. Você não pode tirar a sua mãe de você. O fato é que quando você está inspirando, ela está inspirando em você... Mãe, inspirando eu me sinto tão leve... Você se sente tão leve quanto eu? Este é um dos exercícios de respiração oferecidos aqui em Plum Village. Inspirando, eu me sinto tão leve... Paizinho, você se sente tão leve quanto eu?

Enquanto praticamos o respirar assim, nós não estamos brigando contra a ideia de um eu, nós estamos saindo da noção de um eu. Porque nós sabemos que o eu é feito de elementos não eu. Sou feito de pai, mãe, ancestrais, ar, água, nuvem e muito mais... Então, se reconheço todos estes elementos não-eu constituindo o eu, começo a ver a noção do eu fragmentar-se em muitas partes.

Não há um eu, há apenas uma noção de eu.

É possível para todos nós nos sentarmos assim relaxadamente e respirarmos com nossos ancestrais, por nossa mãe, por nosso pai, nossa avó, nosso avô, todos os nossos ancestrais. Que maravilha saber que você está ali representando os seus ancestrais, que você é a continuação deles! Você não é mais um eu, você é ao mesmo tempo todos os seus ancestrais. Assim, uma única inspiração pode liberar você, uma respiração com esse insight pode liberar você.

Que gentil da sua parte respirar por seu pai, por sua mãe e relaxar seu corpo. Quando você relaxa seu corpo, o corpo do seu pai e da sua mãe em você também está relaxado. É como um milagre. E você pode ver que transporta todas as gerações de ancestrais em você. Aonde quer que você vá, eles vão com você. Quando você dá um passo, em plena consciência, tocando as maravilhas da vida, todos os ancestrais em você estão dando o mesmo passo, ao mesmo tempo. E ao dar um passo assim, com esse tipo de sabedoria, você está livre da noção de eu. Isso é muito curador, muito transformador.

Nós sofremos, sentimos raiva, desespero, porque ainda estamos presos à noção de um eu. Sentimo-nos tão solitários, tão separados. Não tocamos a nossa comunhão.

O ensinamento sobre não eu não nos diz que não existimos. Você existe sim, de verdade, como uma manifestação, uma manifestação maravilhosa. Corpo, sentimentos, percepções, formações mentais, consciência – rios de continuação. E é um rio maravilhoso. Há uma palavra em Sânscrito, santana (assim como o nome daquela cidade na Califórnia), que significa continuidade. Não há um eu, mas há uma continuidade dos cinco rios, dos cinco skandhas. Sempre mudando, mas há uma continuação. Nós continuamos nosso pai, nós continuamos nossa mãe, nós continuamos nossos ancestrais.

E se olharmos em profundidade o nosso corpo, nossos sentimentos, vemos que somos a continuação também de nossos ancestrais animais, vegetais e minerais. Temos nossos ancestrais humanos, porém eles são os mais jovens dentre todos. Antes de nos tornarmos humanos, fomos animais, plantas e minerais. Então, todos os nossos ancestrais, incluindo minerais, vegetais e animais, ainda estão em nós. Se você for livre, eles serão livres. Se você estiver relaxado, eles estarão relaxados. E para isso você não precisa fazer muita coisa. Precisa apenas inspirar com esse tipo de insight, para liberar-se e para ajudá-los a se liberarem. Precisa dar um único passo, com esse insight, para liberar-se e ajudá-los a desfrutarem da mesma liberdade também.

Você tem uma semana para ficar em Plum Village, ou você tem três semanas para ficar em Plum Village – cada momento da sua estadia pode ser uma oportunidade para fazer isso, para respirar com insight, para caminhar com insight, para comer com insight. Quando você se alimenta, está alimentando seus ancestrais.

Eu me lembro quando há 20 anos atrás nós tivemos um almoço piquenique em Montreal. Estávamos em um retiro e naquele dia fomos a um bosque fazer piquenique. Eu estive caminhando pelo bosque, observando. Houve um praticante que se sentou ao pé de uma árvore, para almoçar. Eu disse: - Irmão, o que você está fazendo? Ele olhou para mim e disse: - Estou dando de comer ao Thây. E eu disse: Muito bem. Porque ele sabia que Thây estava nele, e que comendo daquela maneira ele estaria alimentando o Thây nele. O fato é que, cada vez que comemos, alimentamos nossos ancestrais. Nossos ancestrais continuam a viver porque nós os alimentamos todos os dias. Não só com alimentos comestíveis, mas para o bem estar deles, temos de dar a eles o alimento espiritual.

Então, toda vez que você respira, convide todos os seus ancestrais para respirar com você, e você terá esse insight que tem o poder de libertar, de transformar. Toda vez que você caminhar, convide seus ancestrais para virem com você, e desfrute de cada passo. De qualquer jeito, eles estarão com você, quer você os convide ou não. Eles estão em você. Mas se você estiver consciente disso, se você mantiver esse insight, você enxergará a verdade.

Por favor, desfrutem de si mesmos, de sua prática, de sua caminhada.
 

"Order of Interbeing", Plum Village

domingo, 16 de agosto de 2009

Um Modelo

"O modelo de sucesso do nosso mundo é Bill Gates. Raramente pensamos em termos do sucesso de Gandhi." (Dzongsar Jamyang Khyentse, in "O que faz você ser Budista?", Editora Pensamento, São Paulo, 2007)

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Uma Ética Global

   UMA ÉTICA GLOBAL 

Thich Nhat Hanh

O caminho da irmandade é mais precioso que qualquer ideologia ou religião

Tudo, mesmo o Buda, está sempre mudando e evoluindo. Graças à nossa prática de olhar em profundidade, podemos perceber que os sofrimentos da nossa época são diferentes daqueles do tempo de Sidarta e, portanto os métodos de prática deveriam também ser diferentes. É por isso que o Buda dentro de nós também precisa evoluir de forma que o Buda histórico possa ser relevante para a nossa época.

O Buda de nosso tempo pode usar telefone, e até mesmo um telefone celular, mas ele está livre daquele telefone celular. O Buda da nossa época sabe como ajudar a prevenir a destruição ambiental e o aquecimento global. Ele não destruirá a beleza do planeta ou desperdiçará todo seu tempo competindo com outras pessoas.

O Buda de nossa época quer oferecer ao mundo uma ética global de forma que todos possam concordar em um bom caminho a seguir. Harmonia global não é possível se não temos uma ética global. O Buda de nossa época quer restaurar a harmonia, cultivar a irmandade, proteger todas as espécies do planeta, prevenir o desmatamento e reduzir a emissão de gases tóxicos.

Como você é uma continuação do Buda, pode oferecer ao mundo um caminho que possa evitar a destruição do ecossistema, um caminho que possa reduzir a quantidade de violência e desespero. Seria muito gentil de sua parte ajudar ao Buda a continuar a realizar o que ele começou a 2.600 anos.

Nosso planeta Terra tem uma variedade de vida e cada espécie depende de todas as outras espécies de forma a ser capaz de se manifestar e continuar. Não estamos apenas fora uns dos outros, mas estamos também dentro. É muito importante segurar a Terra em nossos braços e em nosso coração, para preservar o lindo planeta e para proteger todas as espécies. O Sutra do Lótus menciona o nome de um bodisatva especial, Dharanimdhara, ou o Dono da Terra, como alguém que preserva e protege a Terra.

Dharanimdhara é a energia que nos mantém juntos como um organismo. Ela é como uma engenheira ou arquiteta cuja tarefa é criar espaço para vivermos, criar pontes para atravessarmos de um lado ao outro, construir estradas de forma que possamos ir para as pessoas que amamos. Sua tarefa é estreitar a comunicação entre seres humanos e as outras espécies e proteger o meio ambiente.

É dito que quando o Buda tentou visitar sua mãe, Mahamaya, que havia falecido, foi Dharanimdhara que construiu a estrada na qual o Buda viajou. Embora Dharanimdhara seja mencionada no Sutra do Lótus, não tem um capítulo próprio. Deveríamos reconhecer este bodisatva de forma a colaborar com ela. Deveríamos todos ajudar a criar um novo capítulo para ela, porque Dharanimdhara está desesperadamente necessitando nesta era de globalização.

Quando você contempla uma laranja, vê que tudo na laranja participa da construção da laranja. Não apenas os gomos pertencem à laranja, a casca e as sementes também são parte da laranja. Isto é o que chamamos o aspecto universal da laranja. Tudo na laranja é a laranja, mas a casca permanece sendo a casca, a semente permanece sendo a semente, o gomo permanece sendo o gomo da laranja.

O mesmo é verdade com nosso globo. Embora nos tenhamos tornado uma comunidade mundial, os franceses continuam franceses, os japoneses continuam japoneses, os budistas continuam budistas e os cristãos continuam cristãos. A casca da laranja continua a ser a casca e os gomos continuam a ser os gomos. Os gomos não precisam se transformar em casca de forma a haver harmonia.

Harmonia, contudo, é impossível se não tivermos uma ética global, e a ética global que o Buda sugeriu são os Cinco Treinamentos de Plena Consciência. Eles são o caminho que deveríamos seguir nesta era de crise global porque eles são práticas de irmandade, entendimento, amor, e a prática de nos protegermos e protegermos o planeta. Os Treinamentos de Plena Consciência são realizações concretas de plena consciência. Eles não são sectários, não levam a marca de nenhuma religião, raça ou ideologia. Sua natureza é universal.

Sempre dizemos que não é necessário que as pessoas se denominem budistas de forma a praticar os treinamentos. Podemos adotá-las sendo cristãos, judeus, muçulmanos, ou sendo franceses, japoneses, chineses ou americanos. Tudo que tem a capacidade de nos trazer consciência, tudo que pode gerar entendimento, aceitação mútua e amor é parte do budismo, mesmo que os termos budistas não estejam lá. Você também pode inspirar amigos a retornarem para suas raízes e descobrir o equivalente aos Cinco Treinamentos de Plena Consciência inerentes à sua própria tradição, seja ela o islamismo, judaísmo, cristianismo ou outra tradição.

Quando você pratica os Cinco Treinamentos se torna um bodisatva ajudando a criar harmonia, proteger o meio ambiente, guarda a paz e cultiva irmandade. Não apenas você guarda as belezas de sua própria cultura, mas também aquelas de outras culturas e todas as belezas da Terra. Com os Cinco Treinamentos no seu coração, você já está no caminho da transformação e cura.

Primeiro Treinamento: Consciente do sofrimento causado pela destruição de vidas, comprometo-me a cultivar a compaixão e a aprender meios de proteger a vida de pessoas, animais, plantas e minerais. Estou determinado a não matar, não deixar que outros matem, não tolerar qualquer ato de matar no mundo, em meu pensamento e no meu modo de viver.

Segundo Treinamento: Consciente do sofrimento causado pela exploração, injustiça social, pelo roubo e pela opressão, comprometo-me a cultivar o amor, a bondade e a aprender meios de trabalhar para o bem-estar de pessoas, animais, plantas e minerais. Praticarei a generosidade compartilhando meu tempo, minha energia e recursos materiais com aqueles que estão necessitados. Estou determinado a não roubar e a não ter em minha posse qualquer coisa que pertença a outra pessoa. Respeitarei a propriedade alheia e impedirei que se aproveitem do sofrimento humano e de outras espécies na Terra.

Terceiro Treinamento: Consciente do sofrimento causado pela má conduta sexual, comprometo-me a agir com responsabilidade e a aprender meios de proteger a segurança e a integridade de indivíduos, casais, famílias e da sociedade. Estou determinado a não me envolver em relações sexuais sem amor e sem um compromisso a longo prazo. A fim de preservar a minha felicidade e a de outras pessoas estou determinado a respeitar meus compromissos e os alheios. Farei tudo que estiver ao meu alcance para proteger crianças de abusos sexuais e impedir a separação de casais e de famílias devido à má conduta sexual.

Quarto Treinamento: Consciente do sofrimento causado pela fala descuidada e pela incapacidade de ouvir as pessoas comprometo-me a cultivar a fala amorosa e a escuta atenciosa a fim de levar alegria e felicidade a outras pessoas, aliviando-as de seus sofrimentos. Sabendo que as palavras podem gerar felicidade ou sofrimento, estou determinado a falar honestamente, com palavras que inspirem autoconfiança, alegria e esperança. Não divulgarei notícias sem ter certeza de que são verdadeiras, não criticarei ou condenarei atos dos quais não esteja seguro. Evitarei o uso de palavras que possam causar divisão, discórdia ou que possam causar ruptura na família ou na comunidade. Estou determinado a empregar todos os meus esforços para reconciliar e resolver todos os conflitos, ainda que pequenos.

Quinto Treinamento: Consciente do sofrimento causado pelo consumo irrefletido, comprometo-me cultivar boa saúde, tanto física como mental para mim, minha família e para a sociedade, praticando o ato de comer, beber e consumir de modo consciente. Farei ingestão de produtos que preservem a paz, o bem-estar e a alegria em meu corpo, em minha consciência, no corpo da coletividade, na consciência de minha família e da sociedade. Estou determinado a não ingerir álcool ou outro tóxico, alimentos ou produtos que contenham toxinas tais como alguns programas de TV, revistas, livros, filmes e conversas. Estou consciente de que prejudicando meu corpo e minha consciência com estes venenos estou traindo meus antepassados, meus pais, a sociedade e as futuras gerações. Trabalharei para transformar a violência, o medo, a angústia e a confusão em mim e na sociedade, adotando hábitos de consumo salutares para mim e para a sociedade. Compreendo que uma conduta adequada é importante tanto para a auto transformação como para a transformação da sociedade.

No Primeiro Treinamento fazemos o voto de proteger toda a vida na Terra e não apoiar atos de matança. No Segundo Treinamento prometemos praticar a generosidade e não apoiar a injustiça social e opressão. No Terceiro Treinamento fazemos o compromisso de nos comportar responsavelmente nas nossas relações e não nos engajarmos em má conduta sexual. O Quarto Treinamento nos pede para praticarmos a fala amorosa e a escuta profunda de forma a aliviar os outros de seu sofrimento.

A prática do consumo consciente e alimentação consciente são o objeto do Quinto Treinamento. Este treinamento é a saída para a situação difícil na qual o mundo se encontra. Quando praticamos o Quinto Treinamento, reconhecemos exatamente o que consumir e o que não consumir de forma a manter nossos corpos, nossa mente e a Terra saudáveis e não causar sofrimento para nós mesmos e para os outros.

Consumo consciente é o caminho para curar a nós mesmos e o mundo. Como uma família espiritual e como família humana, podemos todos reverter o aquecimento global seguindo esta prática. Deveríamos nos tornar conscientes da presença do bodisatva Dharanimdhara em cada um de nós. Deveríamos ser as mãos e os braços de Dharanimdhara de forma a poder agir rapidamente.

Você deve ter ouvido que Deus está em nós, ou que o Buda está em nós. Mas para a maioria de nós esta é uma noção abstrata. Temos uma vaga ideia do que o Buda ou Deus realmente é. Na tradição budista, o Buda reside em nós como uma energia, a energia de plena atenção, a energia da concentração e a energia do insight, que irá nos trazer entendimento, compaixão, amor, alegria, união e não discriminação.

Alguns de nossos amigos cristãos falam do Espírito Santo como a energia de Deus. Seja o que for que o Espírito Santo seja, há cura e amor. Podemos falar da mesma maneira sobre a plena atenção, concentração e insight. As energias da plena atenção, concentração e insight geram entendimento, compaixão, perdão, alegria, transformação e cura. Esta é a energia do Buda. Se você é habitado por esta energia, você é um Buda, pelo menos por um momento. E esta energia pode ser cultivada e pode se manifestar plenamente em você.
 

"Order of Interbeing", Plum Village

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Quem é o Buda?

QUEM É O BUDA?

Thich Nhat Hanh

Alguns anos atrás, eu visitei uma vila na Índia chamada Uruvela. Dois mil e seiscentos anos atrás, um homem chamado Sidarta morou perto dessa vila. Sidarta é o homem que depois ficou conhecido como o Buda.

A vila de Uruvela ainda é muito parecida com aquela época. Não há edifícios, supermercados e autoestradas. É muito agradável. As crianças também não mudaram. Quando Sidarta morou aqui, algumas crianças dessa vila se tornaram suas amigas e levavam para ele comida e presentes simples.

Há um rio que corre perto da vila. É onde Sidarta costumava tomar banho. Uma grama chamada "kusa" ainda cresce nas margens do rio. É o mesmo tipo de grama que uma das crianças deu a Siddharta para usar como almofada para sentar. Eu andei ao longo do rio e cortei um pouco dessa grama e trouxe para casa comigo.

No outro lado do rio há uma floresta. Foi lá que Sidarta sentou-se em meditação embaixo de uma árvore chamada "árvore Bodhi". Foi embaixo dessa árvore que ele se tornou o Buda.

Um Buda é qualquer um que é desperto – que é consciente de tudo que acontece dentro e em volta dele e que entende e ama profundamente. Sidarta se tornou um ser totalmente desperto – um Buda. Ele é o Buda que aceitamos como nosso professor. Ele disse que cada um de nós tem uma semente de despertar dentro de nós e que todos nós somos futuros Budas.

Um estudante meu quando era muito jovem lutava com a questão: quem é o Buda? O nome do estudante era Hu e esta é a sua história.

Quando Hu tinha 6 ou 7 anos, ele perguntou a seu pai e mãe se ele podia se tornar um monge. Hu adorava ir ao templo budista. Ele costumava ir lá com seus pais nos dias de lua nova e de lua cheia para oferecer flores, bananas, mangas e todo tipo de frutas exóticas para o Buda.

No templo, Hu era sempre tratado com gentileza. Quando as pessoas vinham ao templo, pareciam mais relaxadas e amistosas. Hu também estava consciente que o monge chefe gostava dele. Ele dava banana e manga a Hu cada vez que ele vinha. Era por isso que Hu amava ir ao templo.

Um dia ele disse: - "Mamãe, quero me tornar um monge e morar no templo". Eu acho que ele queria se tornar um monge porque ele gostava de comer bananas. Não o culpo. No Vietnã, há muitos tipos de bananas que são tão boas...

Mesmo sendo jovem, seu pai e mãe decidiram deixá-lo ir ao templo como noviço. O monge chefe deu a Hu um minúsculo robe marrom para vestir. No seu novo e bonito robe, ele parecia um monge bebê.

Quando se tornou um monge, Hu acreditava que o Buda amava bananas, mangas e tangerinas porque sempre que as pessoas vinham ao templo elas traziam bananas, mangas, tangerinas e outras frutas, e as colocavam na frente do Buda. Na pequena cabeça de Hu aquilo só podia significar que o Buda gostava muito daquelas frutas.

Uma noite, ele esperou no templo até que todos os visitantes tivessem ido para casa. Parou quieto fora da entrada da sala do Buda. Verificou para ter certeza que ninguém mais estava por perto. Então ele espiou a sala do Buda. A estátua do Buda era tão grande como uma pessoa real. Na cabeça jovem de Hu, a estátua era o Buda.

Hu imaginava que o Buda sentava muito parado durante todo o dia, e quando a sala estava vazia, ele alcançava uma banana. Hu esperou e observou, esperando ver o Buda pegar uma das bananas empilhadas à sua frente. Esperou por muito tempo, mas não viu o Buda pegar a banana. Ele estava frustrado. Não podia entender por que o Buda não comia nenhuma das bananas que as pessoas levavam a ele.

Ele não ousava perguntar ao monge chefe, porque estava com medo que o monge pensasse que ele era bobo. Na verdade, constantemente nos sentimos assim. Não ousamos fazer perguntas por que temos medo de sermos chamados de bobos. O mesmo era verdade para Hu. E por que não ousava perguntar, ele estava confuso. Acho que eu teria buscado alguém para perguntar. Mas Hu não perguntou a ninguém.

Quando ficou mais velho, um dia lhe ocorreu que a estátua do Buda não era o Buda. Que conquista! Esta realização o fez muito feliz. Mas então uma nova questão surgiu. "Se o Buda não está aqui, então aonde ele está? Se o Buda não está no templo, onde está o Buda?" Cada dia ele via pessoas virem ao templo e reverenciar a estátua do Buda. Mas onde estava o Buda?

No Vietnã, pessoas que praticam a tradição do budismo Terra Pura acreditam que os Budas ficam na Terra Pura, na direção do Oeste. Um dia, Hu ouviu alguém dizer que a Terra Pura era a casa dos Budas. Isto fez Hu acreditar que o Buda estava na Terra Pura, o que o deixou muito triste. Por que, ele quis saber, o Buda escolheu viver tão longe das pessoas? Portanto isto criou outra pergunta em sua mente.

Eu conheci Hu quanto ele tinha 14 anos e ainda estava querendo saber sobre isso. Eu expliquei a ele que o Buda não está longe da gente. Eu disse a ele que o Buda está dentro de cada um de nós. Ser um Buda é ser consciente do que está dentro de nós e à nossa volta em cada momento. Buda é o amor e o entendimento que cada um carrega no seu coração. Isto fez Hu feliz.

Quando Hu cresceu, ele se tornou diretor da Escola de Serviço Social do Vietnã. Ele treinou monges e monjas, homens e mulheres jovens, a ajudar a construir vilas que foram bombardeadas durante a guerra do Vietnã.

Em qualquer lugar que você veja amor e entendimento, há o Buda. Todos podem ser Buda. Não imagine que o Buda é uma estátua ou alguém com um halo elegante sobre sua cabeça ou usa robe amarelo. Um Buda é uma pessoa que está consciente sobre o que está acontecendo dentro de si e à sua volta e tem muito entendimento e compaixão. Seja o Buda homem ou mulher, jovem ou não, ele é sempre agradável e refrescante.

A Pedra Preciosa

No budismo, há uma imagem do mundo que é maravilhosa. A imagem mostra um mundo cheio de joias radiantes e brilhantes. Este mundo é chamado o Darmakaya. O Darmakaya não é separado do mundo que vemos todos os dias. Quando olhamos de perto, descobriremos que nosso mundo diário é cheio de tesouros maravilhosos. Muito tempo atrás, o Buda contou uma história para nos lembrar que esses tesouros maravilhosos estão sempre lá para nós, apenas se formos capazes de vê-los.

Uma vez havia um homem rico que tinha um filho preguiçoso. O jovem não sabia como fazer nada a não ser gastar o dinheiro do pai. Como era o filho de um homem rico, nunca aprendeu a negociar e não sabia fazer nada para viver.

O pai estava preocupado que, ao morrer, seu filho poderia vender tudo da casa e ficar pobre. Embora ele tentasse bastante mudar seu filho, no final o pai percebeu que isso não aconteceria durante sua vida.

Assim, o pai amava muito seu filho e não podia parar de se preocupar com ele. Então uma noite depois de muito pensar, teve uma ideia. Na manhã seguinte, foi ao seu alfaiate e pediu que ele fizesse um casaco quente. Quando o casaco estava pronto, o velho o levou para casa e o vestiu todo dia até que parecesse usado.

Um dia, ele chamou seu filho e disse: - "Meu filho, quando eu morrer, você herdará tudo que eu tenho. Espero que você tome conta da minha herança bem. Se, contudo, você decidir vender todos os meus bens, eu apenas peço uma coisa". Pegando o casaco, ele disse: - "Eu peço que você fique com esse casaco e o vista o tempo todo. Isto será suficiente para me fazer feliz".

O filho olhou para o casaco usado de seu pai. Isto ele poderia fazer facilmente. "Não se preocupe, pai. Eu prometo que não o venderei."

Logo depois disso seu pai morreu e o jovem herdou toda a sua herança. E exatamente como seu pai tinha previsto, o filho vendeu todos os seus pertences. Ele manteve sua promessa, contudo, e não vendeu o casaco.

Não demorou muito para que o filho gastasse todo o dinheiro recebido da venda dos bens do pai. E como seu pai temia, ele logo se tornou muito pobre. Um por um, seus amigos o abandonaram. E como ele não sabia como ganhar seu sustento sozinho, ele logo não tinha onde morar.

Sem casa ou amigos, o filho começou a vagar de lugar em lugar. Em muitas noites ele tinha que dormir ao relento sob uma árvore e sem jantar. Mas ele ainda tinha o casaco de seu pai que o mantinha aquecido.

Muitos anos se passaram e o filho vagava de um lugar para outro sem teto sobre sua cabeça. Então um dia enquanto ele estava deitado no chão, sentiu algo duro sob seu corpo. Primeiramente ele pensou que era uma pedra do chão. Mas quando ele olhou não havia pedra.

Determinado a descobrir o que era o objeto duro, ele verificou dentro dos bolsos do casaco que estava vestindo, mas não havia nada. Ele ficou mais curioso e procurou no casaco inteiro. De repente ele sentiu algo dentro do forro do casaco surrado. Ele cortou o forro e para sua surpresa caiu uma pedra. Seu pai colocou uma pedra preciosa no forro do casaco!

Depois de muitos anos pensando que era pobre, ele logo percebeu que estava rico. Mas agora ele aprendeu a lição. Ele não iria esbanjar sua herança desta vez. Ele comprou uma casa e iniciou um negócio. Ele começou a ganhar seu sustento. Ele estava super feliz! Grato por ter tido uma segunda chance, ele estava feliz por partilhar sua riqueza com os outros.

Depois de contar sua história, o Buda disse que todos somos como o filho. Também herdamos grande riqueza, mas como o filho, nós não sabemos e nos comportamos como se fôssemos pobres. Temos um tesouro de iluminação, de entendimento, de amor e de alegria dentro de nós. Se soubermos como redescobri-los e permitir que eles se manifestem, ficaríamos extremamente felizes. Há muitas chances para nós sermos felizes. Mas permanecemos pensando que somos apenas um filho sem nada.

Portanto é hora de voltar a receber sua herança. Estando plenamente atento pode ajudá-lo a pedir por ela. Com plena atenção você verá que tem muitas pedras preciosas no forro de seu casaco. Você precisa apenas olhar para cima de forma a ver o céu azul. Você precisa apenas inspirar e expirar para ver que o dia hoje é belo e vale a pena viver. Você precisa apenas inspirar e expirar para ver que aqueles que você ama estão ainda vivos em torno de você, e você pode ser muito, muito feliz.

Este é um poema que eu escrevi depois de ler a história do Buda sobre o homem rico e seu filho:

Pedras preciosas estão em todos os lugares no cosmos.
E dentro de cada um de nós.

Eu quero oferecer um punhado para você, meu querido amigo.
 

Sim, esta manhã, eu quero te oferecer um punhado,
Um punhado de diamantes que brilham da manhã até a noite.
Cada minuto de sua vida diária é um diamante que contém céu e terra, brilho do sol e rio.

Nós apenas precisamos respirar gentilmente para o milagre ser revelado:
 

Pássaros cantando, flores desabrochando.

Aqui está o céu azul, aqui está a nuvem branca flutuando, seu olhar amável, seu sorriso bonito.
Todos estes estão contidos em uma joia.

Você que é a pessoa mais rica na Terra e se comporta como um filho desamparado,
Por favor, volte para sua herança.

Vamos nos oferecer felicidade e aprender a
Habitar no momento presente.
Vamos acalentar a vida com nossos dois braços
E deixar ir nosso esquecimento e desespero.
 

"Order of Interbeing", Plum Village

sábado, 18 de abril de 2009

Paciência ante o Insulto

 
PACIÊNCIA ANTE O INSULTO

Certa vez, insultado por um homem, Buda calmamente esperou que o interlocutor concluísse sua afronta, antes de propor-lhe a seguinte questão:
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- Se ao levar um presente a alguém e essa pessoa se recusar a recebê-lo, com quem deverá ficar o presente?
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O ofensor prontamente respondeu:
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- Se ao oferecer um presente a alguém e essa pessoa se recusar a recebê-lo, o presente certamente ficará com aquele que o quis dar.
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Buda então completou:
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- Assim é para mim o seu presente do qual declino, portanto, por favor, guarde para si seus insultos.
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Se alguém se dirige a nós com palavras e comportamento agressivos, movido pela raiva e reagirmos de igual modo, estaremos também movidos pelo mesmo mal. Ambos seremos como loucos que se jogam num incêndio e terminam devorados pelas chamas. Mas se, ao contrário, reagirmos como o Buda, mantendo a mente calma e clara, acumularemos grandes méritos. Este estado da mente, livre de raiva, nos proporcionará fortuna ainda maior, pois detém uma das condições básicas para adentrarmos no caminho da iluminação.
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A prática da não violência começa quando deixamos de agir tomados pela raiva e ao mesmo tempo encorajamos os outros a agirem com a mente imbuída da mesma intenção pacífica. Contudo, se as circunstâncias se mostrarem desfavoráveis a esse intento, declinemos do insulto e sigamos adiante com o propósito de continuarmos a produzir palavras e ações de pura compaixão, generosidade e sabedoria.
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Todo dia é perfeito para empreendermos a cooperação e para celebrarmos a paz no mundo.
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Post Scriptum 

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"Nunca faça o mal. Faça sempre o bem. Purifique a mente. Esses são os ensinamentos de todos os Budas." (O Verso dos Sete Budas)
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"Portal da Luz de Buddha", Templo Zulai
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domingo, 29 de março de 2009

Monge Genshô