CURA DA CRIANÇA SUPERIOR
Thich Nhat Hanh
Quando
éramos crianças, éramos muito vulneráveis. Nós nos machucávamos muito
facilmente. Um olhar severo de nosso pai poderia tornar-nos infelizes. Uma
palavra forte de nossa mãe poderia causar uma ferida no nosso coração. Quando criança,
temos um monte de sentimentos, mas é difícil nos expressarmos. Nós tentamos e
tentamos. Às vezes, mesmo se pudermos encontrar as palavras, os adultos em torno
de nós não podem nos ouvir, não escutam, ou não nos permitem falar.
Nós
podemos ir para nossa casa interior e falar com a nossa criança, ouvir a nossa
criança, responder diretamente a ela. Eu mesmo fiz isso, mesmo tendo recebido
amor e carinho dos meus pais. Essa prática me ajudou tremendamente. A criança
ainda está lá e pode estar profundamente ferida. Nós negligenciamos a criança
em nós por um longo tempo. Temos que voltar e confortar, amar e cuidar da
criança dentro de nós.
Esta
meditação pode ser feita ao sentar ou caminhar. É importante encontrar um lugar
calmo, um lugar onde você possa se sentir confortável e relaxado
ininterruptamente por pelo menos cinco minutos. Enquanto você inspira e expira,
pode dizer estas palavras a você mesmo:
Inspirando, eu me vejo como uma criança de cinco anos de idade.
Expirando, eu sorrio com compaixão para a criança de cinco anos de idade
em mim.
Primeiramente
você pode querer dizer a frase inteira, então você pode apenas querer usar as
palavras-chave:
Eu com cinco anos de idade.
Sorrindo com compaixão.
A
criança de cinco anos de idade, dentro de você, precisa de muita compaixão e
atenção. Seria bom se a cada dia você encontrasse alguns minutos para sentar-se e
praticar esta meditação. Seria muito curador e muito reconfortante, porque a
criança de cinco anos de idade em nós ainda está viva e precisa ser cuidada.
Com o reconhecimento e a comunicação, podemos ver que a criança responde para
nós e ela começa a se sentir melhor. Se ela se sente melhor, nós nos sentimos
melhor e também começamos a sentir grande liberdade.
A
criança dentro de nós não é apenas nós mesmos. Nossos pais também sofreram
quando crianças. Mesmo como adultos, muitas vezes não sabem como lidar com o
seu sofrimento, assim fazem seus filhos sofrerem. Eles foram vítimas de seu
próprio sofrimento e depois seus filhos foram vítimas deste sofrimento também.
Se não somos capazes de transformar o sofrimento em nós, nós vamos passá-lo
para os nossos filhos. Cada pai foi uma criança de cinco anos de idade, frágil
e vulnerável.
Meu
pai e eu não somos realmente duas entidades separadas. Eu sou sua continuação,
então ele está dentro de mim. Ajudando o menino de cinco anos de idade, que é o
meu pai em mim, curo a nós dois ao mesmo tempo. Ajudando a menina de cinco anos
de idade, que era minha mãe e que ainda está em mim, eu a ajudo a transformar-se e
ser livre. Eu sou uma continuação da minha mãe. Aquela menina que foi ferida e sofreu
tanto está viva em mim. Se
eu puder transformar e curar minha mãe e meu pai dentro de mim, vou ser capaz de
ajudá-los fora de mim também. Esta meditação irá gerar compaixão e compreensão
dirigidas a nós mesmos e também aos nossos pais como crianças de cinco anos de
idade.
Falamos
muito sobre a compreensão, mas há entendimento maior do que esse? Quando
podemos sorrir, sabemos que estamos sorrindo para nossa mãe e pai, libertando-os. Se praticarmos dessa forma, em seguida, todas as perguntas que
fazem as pessoas sofrerem - Quem sou eu? Será que minha mãe realmente me quer?
Será que meu pai realmente me quer? Que sentido tem minha vida? - se tornam vazias.
Nós
não precisamos voltar à nossa terra natal, para a Irlanda ou China, para
encontrar nossas raízes. Nós só precisamos estar em contato com cada célula de
nosso corpo. Nosso pai, mãe e todos os nossos antepassados estão presentes
de uma forma muito real, em cada célula do nosso corpo, mesmo nas bactérias.
Entendimento desperto foi transmitido a nós por todas as gerações, todos os
seres sencientes e também os chamados seres não sencientes. Somos ambos, pais e
filhos. Às vezes, manifestamos como pai ou mãe e, às vezes, nos manifestamos
como filhos. Assim que a goiaba nasce, tem sementes de goiabeira, e por isso já
é uma mãe ou um pai. Podemos praticar assim:
Inspirando, vejo meu pai como uma criança de cinco anos de idade.
Expirando, eu sorrio para meu pai como uma criança de cinco anos de
idade.
Pai, cinco anos de idade.
Sorrindo com compaixão.
Seu
pai era uma criança de cinco anos de idade, antes de se tornar um pai. Como um
menino de cinco anos de idade, ele foi bastante vulnerável. Ele podia se machucar
muito facilmente, por intermédio de seu avô, de sua avó e de outras pessoas. Então, se às
vezes ele foi duro ou difícil, talvez fosse por causa da forma como o menino de
cinco anos de idade nele foi tratado. Talvez ele tenha sido ferido quando era
criança.
Se
você entender isso, talvez você não fique mais com raiva dele. Você pode ter
compaixão por ele. Se você tiver uma foto de seu pai com cinco anos de idade,
pode olhar durante a meditação. Olhe para ele quando ele tinha cinco
anos de idade, inspire e expire e você vai ver a criança de cinco anos de idade
que ainda está viva nele e em você também.
Quando
sua mãe tinha cinco anos, ela também era vulnerável e frágil. Ela pode ter
ficado ferida com muita facilidade, e ela pode não ter tido um professor ou um
amigo que a ajudasse a curar-se. Assim, a ferida e a dor continuam nela. É por
isso que às vezes ela pode ter se comportado de maneira não gentil com você. Se
você puder ver a sua mãe como uma menina de cinco anos de idade, frágil, então
você poderá perdoá-la muito facilmente com compaixão. A menina de cinco anos de
idade, que era sua mãe está sempre viva nela e em você.
Inspirando, vejo minha mãe como uma menina de cinco anos de idade.
Expirando, eu sorrio para a menina de cinco anos de idade, ferida que
foi a minha mãe.
Mãe, cinco anos de idade.
Sorrindo com compaixão.
Se
você é jovem, é importante praticar a cura da criança de cinco anos de idade em você. Caso contrário,
se você tiver filhos, você vai transmitir a sua criança ferida para seus
filhos. Se você já tiver transmitido a sua criança ferida para o seu filho ou
filha, não é tarde demais. Você tem que praticar agora para curar a criança em
você e ajudar o seu filho ou filha a curar a criança ferida que você transmitiu
a ele ou a ela.
Todos
nós, como pais e filhos, podemos praticar juntos e curar a criança ferida em
nós e em nossos filhos. Esta é uma prática urgente. Se conseguirmos fazer isso,
a comunicação entre nós e nossa família será restaurada. Compreensão mútua será
possível.
Estamos
em nossos filhos. Nós nos transmitimos inteiramente a eles. Nossos filhos, nossas
filhas são a nossa continuação. Nosso filho, nossa filha somos nós mesmos. E eles
vão nos levar para longe no futuro. Se temos tempo para amar nossos filhos com
compaixão e compreensão, eles vão lucrar com isso e fazer o futuro melhor para
si mesmos, seus filhos e as futuras gerações.
"Order of Interbeing", Plum Village